segunda-feira, 17 de junho de 2013

As vozes que se ouvem nas redes e nas ruas

Ouça as vozes das ruas e das redes. Alguma coisa está acontecendo. Já podemos vislumbrar mudanças sociais? Econômicas? Políticas?

A profundidade e a importância dos acontecimentos, como em quase todos os fatos históricos, não saberemos agora, no calor das emoções, mas com o distanciamento crítico e o passar do tempo. Porém, o movimento está aí, queiramos ou não.

Não se trata de um protesto por míseros 20 centavos na tarifa de ônibus. Acorde! Caia na real! O que une cada vez mais pessoas é a indignação e o descontentamento contra os abusos do poder, contra o descaso, contra o(s) governo(s), contra a corrupção, contra a desiguldade, contra a intolerância, contra a injustiça.

Será um movimento espontâneo ou orquestrado? Pouco importa, ainda que seja significativo e didático que o PT experimente do seu próprio veneno. De pedra a vidraça, não passarão incólumes as contradições da transformação do partido-modelo da oposição em traidor das causas populares e sociais no governo.

Cada um manifesta os seus próprios motivos, mas a soma de cada interesse (individual ou coletivo) torna crescente a onda que atinge as grandes cidades. Não é à toa que as pessoas estão nas ruas. Há excessos? Sim, mas também existe legitimidade e vida inteligente entre os dois extremos: entre aqueles que só tem olhos para violência exacerbada da polícia e os que enxergam unicamente os atos de vandalismo dos manifestantes.

Será o princípio do fim? Estarão contados os dias desses atuais ocupantes do poder? Confirma-se a previsão de que a população está saturada de PT e PSDB, e procura uma via alternativa? Crescem as chances de Eduardo Campos e Marina Silva em 2014? Por enquanto, são perguntas sem respostas.

Veja outros textos interessantes que também comentam os acontecimentos da semana; colaboram para a reflexão:

Insatisfação 
(Eliane Cantanhêde, colunista da Folha)

Nas décadas de 1960 e 1970, secundaristas e universitários lutaram bravamente contra uma ditadura e a favor de utopias sedutoras. Muitos morreram e foram torturados quase ainda crianças.

Nos anos 1980, novas gerações lutaram nas ruas pelas "diretas, já". E, nos 1990, milhares pintaram a cara pelo impeachment de Collor. Mais do que demolir um presidente indesejável, sonhavam edificar um país mais justo, mais decente.

A década de 2000 passou em branco. Inebriados pelo mito Lula e a miragem da esquerda pura e ética, os movimentos acomodaram-se e a estudantada recolheu-se à sala de aula. Utopias e sonhos coletivos cederam às ambições pessoais. O "cada um por si" venceu o "um por todos, todos por um".

As manifestações de agora começaram por 20 centavos a mais na passagem de ônibus em São Paulo e alastraram-se para Rio, Curitiba, Goiânia, Teresina e outras capitais. Coincidiram com os tambores de guerra dos índios e podem ser o fim da longa hibernação, um sinal para os Poderes da República. Basta de violência, de desvios, de impunidade.

É nesse clima que o país é informado de uma tal "Resistência Urbana - Frente de Movimentos e Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa". No Rio, fazem passeatas. Em Brasília, queimam pneus e fecham avenidas contra a farra dos estádios com dinheiro público.

E os protestos vão longe. Pela internet, o novo "Democracia não tem fronteiras" convoca estudantes e trabalhadores brasileiros para manifestações, terça-feira, em 30 cidades de 15 países.

Seria ingenuidade imaginar que tudo isso é uma enorme coincidência e que não há nenhuma conexão entre grupos e manifestações - ao menos uma mesma motivação.

O espectro da insatisfação ronda o Brasil. E pode explicar até a inexplicável violência de policiais -eles próprios são cidadãos irritados.

Faroeste urbano
(Suzana Singer, ombudsman da Folha)

Imprensa é acusada de chamar manifestantes de 'baderneiros' e de criticar a polícia por corporativismo

Os protestos que tomaram a avenida Paulista deixaram um rastro de destruição, uma centena de feridos, duas centenas de presos e muita indignação em relação à mídia.

A primeira onda de críticas acusava a imprensa de tratar a todos como "vândalos" e de destacar apenas os estragos provocados pelo que seria um pequeno grupo entre os milhares de manifestantes.

De fato, Folha, "Estado" e "Jornal Nacional" só tinham olhos para a destruição provocada pela turba. Não há dúvida de que a notícia principal era o ânimo incendiário de parte dos ativistas, mas o erro foi ter generalizado. Não se dimensionou qual era a parcela dos manifestantes que estava ali apenas para depredar nem se deu o devido destaque aos demais.

A Folha abriu espaço para que os líderes do Movimento Passe Livre publicassem um artigo explicando "por que estamos nas ruas", mas não havia menção ao texto na "Primeira Página", que trouxe, por dois dias seguidos, a história do policial que, apesar de ferido, não atirou contra os manifestantes.

Os que acreditavam que a Folha estava sendo injusta com o movimento ganharam um fortíssimo argumento com a publicação, na quinta-feira, do editorial "Retomar a Paulista". Os ativistas foram definidos como "jovens predispostos à violência por uma ideologia pseudorrevolucionária".

O "grupelho", segundo o texto, "ciente de sua condição marginal e sectária", move-se por uma "intenção oculta de vandalizar equipamentos públicos e o que toma por símbolos do poder capitalista".

"É hora de pôr um ponto final nisso", conclamava o editorial, em consonância com o "Estado de S. Paulo", que publicou no mesmo dia "Chegou a hora do basta".

A diferença entre os dois textos era que a Folha indicava a "força da lei" para coibir o vandalismo ("investigar, identificar e processar os responsáveis"), enquanto o "Estado" incitava o governador Geraldo Alckmin a abandonar o que seria uma postura "excessivamente moderada" para deixar a polícia "agir com maior rigor".

Tudo mudou na edição de sexta-feira. A Folha era toda crítica à ação policial, avaliada como "violenta". Havia flagrantes de abusos, depoimentos de feridos, o relato de que os distúrbios foram provocados pela Tropa de Choque e até uma foto de manifestantes "do bem" ajudando um senhor a fugir da confusão.

O "Estado" noticiou a truculência policial, mas falou em "confronto" entre manifestantes e PM.

Em vez de elogios, a Folha recebeu uma segunda onda de críticas: o jornal só teria mudado de postura porque teve sete repórteres feridos, um dos quais gravemente.

Essa acusação, de corporativismo, é injusta. A edição refletiu uma passeata diferente das anteriores, na qual os militantes estavam incrivelmente bem-comportados e a polícia, muito mais agressiva.

Em editorial publicado ontem, o jornal acusou a PM de ter "protagonizado um espetáculo de despreparo, truculência e falta de controle ainda mais grave que o vandalismo e a violência dos manifestantes, que tinha por missão coibir".

Mas a luta continua. Há um novo ato marcado; o movimento pode crescer e ganhar mais legitimidade -antes da pancadaria, o Datafolha já registrava que 55% dos paulistanos apoiavam os protestos.

À reportagem cabe manter o prumo e se dedicar a explicar quem são esses jovens insatisfeitos, de onde vêm e o que os move. O leitor já percebeu que eles não são nem os "baderneiros marginais" dos primeiros protestos nem as "vítimas indefesas" do último ato.

O fracasso da democracia
(Clóvis Rossi, correspondente da Folha)

O sistema está sendo incapaz de processar os grandes atos de protesto, na Paulista ou na Europa


Começo por onde esse excelente Hélio Schwartsmann terminou sua coluna de sexta-feira na Folha: "Mesmo rejeitando o vandalismo, deve-se reconhecer que protestos por vezes tonificam a democracia".

De acordo, Hélio. Pena que essa indiscutível verdade teórica esteja sendo desmentida na prática nos últimos muitos anos - e não só nem principalmente no Brasil.

Desde os primeiros grandes protestos contra a globalização, adquiri vastíssima quilometragem na cobertura de manifestações de massa em diferentes países e por diferentes motivos. São mais de 20 anos de gás lacrimogêneo ingerido e de incontáveis vidraças de McDonald's quebradas (não por mim, que fique claro), o suficiente para poder afirmar que a democracia está sendo incapaz de processar os protestos que deveriam tonificá-la.

Tome-se o caso dos protestos contra a globalização: perseguiam cada reunião internacional, qualquer que fosse o local de sua realização.

Uma das maiores (Seattle, 1999) conseguiu a nada desprezível proeza de impedir que a secretária de Estado norte-americana, Madeleine Albright à época, fizesse o discurso inaugural de uma conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio.

Nunca me esqueci de uma jovem estudante a quem eu tentava convencer de me deixar passar para o centro de imprensa, argumentando que precisava contar ao mundo o que eles estavam fazendo. E ela: "Fuck you. Não precisamos de vocês para isso".

Parecia absolutamente segura de que as mídias alternativas relatariam a marcha triunfal rumo ao sucesso dos grupos que a direita batizou de "globalifóbicos" para tentar ridicularizá-los.

A marcha triunfal foi interrompida pelo 11 de Setembro e pela malandra equiparação dos protestos a terrorismo (muito pior do que acusar os manifestantes apenas de vândalos, certo?).

Mais recentemente, vieram os "indignados". Multidões em praças públicas que fazem parecer meros convescotes em família os grupos reunidos na avenida Paulista. Obtiveram resultados? Nenhum. O "austericídio" prossegue impávido, enquanto os "indignados" submergem. Estão por aí, mas não conseguem traduzir sua força numérica em propostas que a democracia possa processar com seus mecanismos convencionais.

A consequência desse descompasso pode ser terrível, escrevem para "El País" José Ramón Montero e Mariano Torcal, catedráticos de Ciência Política em Madri e Barcelona, respectivamente:

"Se os protestos se mantiverem ante a incompetência, a acomodação ou a frivolidade das elites políticas, o descontentamento poderia radicalizar-se e chegar ao âmbito eleitoral, com consequências imprevisíveis. E, se os protestos forem sistematicamente descartados e não forem acompanhados de mudanças relevantes, o desamor poderia agravar os sentimentos de frustração entre os que por fim exercem sua voz".

Vale para a Espanha, vale para o resto da Europa, vale para o Brasil. Cá como lá, a democracia está flácida em vez de tonificada.

Os pobres felizes
(Fernando Rodrigues, colunista da Folha)

Milhares de pobres felizes inundarão a TV em comerciais estatais nos próximos dias falando como é maravilhoso comprar um forno de micro-ondas ou um sofá financiado por Dilma Rousseff. A presidente despejará bilhões de reais nessa nova modalidade de felicidade instantânea - futura nem tanto.

Os comerciais de TV do governo (por meio da Caixa) são o único ambiente do mundo no qual os pobres estão sempre 100% felizes. Faz parte. Propaganda é para melhorar o astral de quem assiste. Afinal, quem olha pela janela em grandes centros urbanos não tem visto tanta alegria assim nos últimos dias.

As manifestações do Movimento Passe Livre em São Paulo e em outras capitais podem ser analisadas de várias formas. Muito já foi dito (e ainda será) sobre o despreparo da polícia. Ou a respeito do vandalismo incivilizado de parte dos ativistas.

Só que o mais relevante talvez seja a mensagem difusa vinda das ruas. Apesar do alto grau de aprovação das administrações federal e estadual (de São Paulo), há uma insatisfação latente em grandes metrópoles. Está claro que o tal Movimento Passe Livre não controla tudo.

Para cada pessoa protestando na rua há outras milhares que preferem ficar em casa, embora não menos insatisfeitas. Uma análise chapa-branca poderia argumentar que os protestos atuais são inconsequentes. O Brasil crescerá neste ano mais do que em 2012. Há pleno emprego. Tudo isso é verdade. Ainda assim, cidadãos podem considerar isso insuficiente para sorrir como nas propagandas.

Quem vive em grandes cidades sabe muito bem. São Paulo e Rio têm cotidianos inviáveis. Trânsito insuportável, transporte público péssimo, poluição, saúde pública ruim. Há, é claro, o programa Meu Micro-Ondas, Minha Vida. Mas, às vezes, só um eletrodoméstico é pouco para manter os cidadãos comportados dentro de casa e assistindo a pobres felizes nos comerciais de TV.